domingo, 14 de abril de 2013

Início de recuperação da marca Ades




Motivado pelo comunicado da Anvisa resolvi escrever sobre o caso. Ainda não há uma campanha no ar. Pelo menos até o momento dessa postagem ainda não vi nenhum trabalho publicitário começando. Tudo está muito novo.

E é aqui que quero fazer, em resumo, um trabalho de planejamento antes mesmo de começar a ver qualquer coisa. Meu objetivo não é apresentar uma campanha pronta, mas as questões dentro de um planejamento de campanha que poderá vir a aparecer.

Até o momento:
A Unilever já está se movimentando. Desde o anúncio do recall ela já mostrava seu respeito ao consumidor. Não pestanejou em nenhum momento, afinal vidas estavam em jogo e não mais uma marca. É por isso que acredito em uma reestruturação de valores nas mentes dos consumidores. Será um trabalho que demandará tempo, mas que terá resultados positivos.

Para planejar este artigo me baseei em um dos pilares abaixo. Não recebi nenhuma informação da Unilever.

Pilares:
- Se o consumo geral da marca caiu
- Se o consumo só caiu no suco de maçã do modelo Ades Frutas

A partir de agora desmembrarei cada um deles.


Se o consumo geral da marca caiu:
Nesse caso já tomei por base que a população não entendeu que só a linha maçã é que teve o problema anunciado. Bom, a população entende o que quer e a responsabilidade de entrar nas mentes para dizer que foi só um um sabor de uma linha fica por conta do fabricante.

Voltando no tempo me lembrei do caso do Volkswagem Fox, que guardadas as devidas proporções, também era somente um modelo de uma marca como um todo.
A marca Volkswagem é muito bem estabelecida na mente dos consumidores e não há possibilidades de associarmos Jetta e Fox, ou Gol e Fox. Cada carro é uma marca independente, praticamente. Eles são individuais. Mas, será que os sucos da Ades também são marcas individuais? Não são!

Outro ponto interessante é o valor agregado e suas utilizações. Ambos estão ligados à vida, um alimenta e o outro transporta. Em ambos os casos, qualquer falha no produto pode ser arriscado. No caso Fox não havia danos à vida, mas ao corpo. Já no caso Ades o risco foi maior. Intoxicações ou queimaduras internas podem matar. Um carro é consumido por maiores de 18 anos, o suco não. O suco é também consumido pelos filhos. Quem não ama os filhos? Que não os quer proteger?
Durante o episódio da marca muitas escolas informaram os pais sobre o problema com a marca, recomendando que os mesmos não comprassem o suco para o lanche das crianças. Isso não é sério demais?

A marca Ades conseguiu construir a mitologia no inconsciente coletivo. Isso levou anos. Não foi um processo com duas, três campanhas, mas uma construção com muitos passos. Agora, quando toda a mitologia (seus filhos devem consumir o melhor para crescerem saudáveis ou você, pai ou mãe, podem ter vidas saudáveis com nosso produto) é ferida por um infeliz caso como esse a semiose é rápida: preciso proteger meus filhos desse problema. A escola fez a mesma coisa.

Os modelos da marca do suco não têm o mesmo poder dos modelos de automóveis. Na nossa cabeça, pensando rápido é assim, o mesmo barril que faz o suco de maçã pode fazer o de laranja. Não arriscarei.

Veja o vídeo (link) abaixo como complemento:

Claro que a mitologia da marca atinge mais que só crianças. Afunilei nesse segmento apenas para ilustrar como a construção de significados (semiose) acontece. Uma história mitológica com significados valorosos como a refeição na escola e o buscar na porta da escola. Detalhe interessante que não é uma mãe dirigindo o carro, mas o pai. Ponto muito bem levantado, pois isso já é normal na sociedade de hoje a responsabilidade pelos filhos estar bem compartilhada entre pais e mães. 
Focando também em uma formação de opinião sobre o produto, a marca criou uma linha voltada ao público infantil, afinal será esse público a continuação do consumo no futuro. Se eles consomem sucos à base de soja desde pequenos, com certeza continuarão consumindo depois de grande. Que interessante seria se eles crescessem consumindo minha marca, não é? Então, a Unilever tem de se mexer e bem rápido.


Se o consumo só caiu no suco de maçã:
Não tenho informações da empresa, portanto não sei dizer se foi assim. No entanto, se os outros modelos e sabores não tiveram reflexos o estrago não foi tão grande.
Por questão de pesquisa gostaria de trabalhar com a primeira hipótese. A marca como um todo sofreu por conta do problema. Então, vamos lá!


Detalhamento da marca:
A marca atualmente conta com os seguintes modelos:
- Ades Original + cálcio (sem definição de idades. Não contém o sabor maçã)
- Ades Frutas (sem definição de público aparente. Contém o sabor maçã)
- Ades Max (público infantil. Contém o sabor maçã)

Antes de mais nada levantarei os atributos psicológicos da marca. Nesse momento não usarei os atributos físicos. Por que? Porque quando uma marca passa por um problema como esse os reflexos ficam no inconsciente do consumidor. E nesse caso só podemos atingir o inconsciente para corrigir o problema se trabalharmos com ferramentas que cheguem até as profundezas da mente..

"Se o objetivo da campanha for (...) a modificação da imagem existente, a estratégia apropriada será certamente a da imagem". RANDAZZO, 1997, p.318.

Russell Haley, em complemento, explica que "a força fundamental deste modelo está em proporcionar benefícios sensoriais" capazes de "tornar as pessoas associadas com a marca envolvendo de alguma forma as suas emoções e forjando um vínculo emotivo com o consumidor" (1984, p.10).

Barry Feig, no mesmo raciocínio, reforça para nos dirigirmos "ao consumidor em nível emocional e pessoal - um produto que fique no coração dos consumidores" (1986, p.18).


Atributos emocionais que a marca já sabe e costuma trabalhar:
- Vida mais saudável (a soja, produto da marca, é um alimento muito associado a este estilo de vida)
- Força para todo dia
- Manifesto Ades: O importante é ser espontâneo. É ser você mesmo e rir, dançar, brincar, curtir cada momento da vida. A campanha é baseada em uma pesquisa sobre o comportamento das pessoas diante de situações planejadas e inesperadas no dia a dia. O resultado é o Manifesto de Ades, que usa cenas de pessoas bem-humoradas para mostrar que o mundo fica melhor se a gente deixa a vida fluir.


Planejamento de ação:
Antes de mais nada um fato curioso: a Ades retirou do ar a campanha Manifesto Ades citada acima. Sabe o por quê?
O que a marca causou no mercado foi muito sério. Como a marca poderia fazer um "manifesto" com o texto acima se seus produtos podiam matar. Poderia ser um "tiro no pé" com consumidores bombardeando a marca. O básico ela não cumpriu que é produzir com qualidade. 
Isso foi um fato. No entanto, vale ressaltar que, não fosse o problema com o produto, a campanha seria mais um sucesso na manutenção da marca. A essência dos autores acima está aplicada nela. Em nenhum momento há citação de benefícios técnicos como você pode ver. Tudo muito bem pensado para para tocar o inconsciente. Só valores!

Sendo assim, na minha opinião, da maneira como aconteceu o correto seria combinar o trabalho psicológico com uma mensagem séria. De muito respeito aos consumidores fiéis à marca e aos consumidores que se prejudicaram com o produto contaminado.

Dado importante: ter a informação do desempenho de vendas é crucial nos próximos passos. Neste caso não tenho esses dados e estou simulando uma queda de vendas geral em todos os modelos da marca.

Continuando, vamos partir para o campo mitológico, maneira pela qual, conseguimos trabalhar emocionalmente (psicologicamente).

Quando criança, se cometíamos uma falha, ou se falávamos alguma besteira, por exemplo, nossos pais diziam: peça desculpas. Isso não se faz! Cheios de vergonha dizíamos a palavra "desculpas" quase que engasgada, mas tínhamos de falar. Se a falha ou a besteira cometida fosse com um de nossos "amiguinhos" logo depois do pedido já estávamos juntos, brincando novamente.
De maneira geral o ser humano não age assim facilmente. A Bíblia também nos mostra muitos casos destes. Muitas vezes o gesto de pedir desculpas é associado à covardia. À fraqueza. Mas, de uma maneira geral, as desculpas podem apaziguar uma contenda. Elas acalmam e controlam uma situação. Representam respeito ao próximo.

Quando adultos é que as coisas complicam. Frases do tipo "eu não levo desaforo para casa", ou então, "determinada pessoa não merece minhas desculpas" são corriqueiras. Os adultos, ao contrário das crianças, não perdoam com muita facilidade. Não esquecem facilmente.

Agora, veja que interessante. Se a Ades tivesse de se desculpar às crianças a aceitação do pedido seria imediata se a construção da história com o pedido inspirasse verdade aos olhos infantis. Logo, as crianças são as grandes influenciadoras nos valores dos adultos. Uma campanha com pedido de desculpas, de forma mitológica, seria inédita e ousada. Se você que está lendo conhecer alguma campanha moldada nesse símbolo, escreva nos comentários. Já rabisquei um curta para treinar. Deixarei guardado e acompanharei as respostas da marca.

De volta, ainda no campo mitológico temos a Branca de Neve e os Sete Anões. Qual a fruta que foi entregue à personagem? Uma maçã. Coincidentemente temos a mesma fruta no problema da marca. Assim como no conto, a Ades sofreu com o feitiço em suas maçãs. Em ambas as histórias não houve morte e a princesa (consumidor) viveu feliz para sempre. Ninguém odeia a maçã por causa do conto. A fruta é deliciosa. Tudo que a fabricante precisa criar é uma bruxa para despachar essa culpa. Crie um mito com um culpado e mostre ao público.

Mais uma: qual é o símbolo mitológico como forma de um aluno agradar um professor? A entrega de uma maçã. Realizando este ato a criança reconhece a autoridade do professor(a) e tenta agradá-lo(a) por interesses ou simplesmente pelo gesto de reconhecimento. Nesse caso temos a maçã como a propiciadora de relacionamentos.

As mitologias acima podem originar campanhas de reestruturação. Aparentemente você pode questionar sobre como as histórias acima podem fazer algo, mas elas cresceram na mente dos adultos atuais e vêm se formando na cabeça das crianças. Todos sabem o resultado final de cada uma delas e, transformadas em uma sequência mitológica com a marca Ades em meio a elas, podem tocar os adultos novamente. Não se assuste, pois são mitologias antigas com plataformas criativas atuais que vemos diariamente na publicidade. Os resultados são certos. A Nike é meu exemplo favorito porque é uma grande utilizadora de mitologia para manter sua marca tão forte em nossas mentes. Pretendo escrever logo sobre ela.

Saindo do campo mitológico, há também o "tempo natural de esquecimento". Pensando no capitalismo essa segunda opção poderia ser perigosa. As pessoas esquecem do problema causado e também de comprar o produto em um espaço de tempo. Isso significa zero de rentabilidade e portas fechadas. Portanto, esqueça.


No Ponto de Venda:
Renovação das embalagens dos modelos atuais. Essa opção tem de ser avaliada através de pesquisas. A marca Ades é sinônimo de vida saudável. Isso está construído na mente. O problema é que esse sinônimo teve uma mancha. Toda a entidade perceptual da marca, quando no ponto de venda, é associada à embalagem do produto e aqui temos o ponto. Durante a exposição negativa nas mídias a atual embalagem do modelo "Ades Frutas" é que absorveu os traços negativos. Veja abaixo a imagem coletada no dia 14/04/2013 em um mercado de grande porte na cidade de Indaiatuba.



O problema foi contido, mas a confusão na cabeça do consumidor ainda existe. Qual o modelo com problemas? Ainda há problemas ou tudo já foi resolvido? Uma pesquisa nesse caso diria como está o desempenho do comportamento de compras.
A associação do modelo prejudicado ao lado dos outros modelos na gôndola influencia? Essas respostas são necessárias para saber como agir. Em específico no dia de hoje a gôndola estava totalmente arrumada e isto não é um bom sinal, pois transparece que os produtos estão parados.


Consideração final:
Você compraria um Fox nos dias de hoje?
Antes de comprar você pensaria que foi nesse modelo que algumas pessoas perderam seus dedos? Talvez você nem se lembre desse fato. Na época, ao contrário da Ades que descobrindo o problema já acionou o recall, a Volkswagem segurou ao máximo a chamada, alegando não ter problemas. Foi através de interferência maior que a montadora foi obrigada a chamar os veículos às concessionárias.

Os valores de uma marca são poderosos nas mentes. Quando decidimos uma compra, levamos em consideração esses valores e quase sempre não lembramos de retóricas bem construídas.

Alimente a alma do consumidor com valores. Esse é o caminho. Esses valores sobrepõem a retórica negativa. Tudo é questão de tempo.

O consumidor exige respeito e a Unilever já se mostrou pronta a respeitar. Agora, o segundo passo é pegar um "apagador" e limpar os escritos negativos do incidente no "quadro negro". Uma retórica bem feita, ainda assim, não é melhor que a persuasão.

Planejar uma campanha como essa seria um prazer. Confesso que gostaria de trabalhar com uma equipe a reconstrução desta marca. Seria demais!


Nota: O mundo da publicidade trabalha na construção de marcas. Em nenhum momento neste artigo pretendi desmerecer a vida do ser humano tratando-o como um objeto. Apenas ilustrei uma possível estratégia de recuperação por parte da marca com relação ao problema ocorrido.

Um comentário:

  1. Muito bem pautado cara, muito bom mesmo. A alusão ao uso da história da branca de neve numa campanha de reversão foi uma baita sacada!!! Como você bem citou, também concordo que para esse tipo de produto houve uma agressão à marca como um todo, independente de possuir categorias distintas. Confesso que esse tipo de campanha me preocupa, pois a retórica pode ser usada pelos concorrentes para prolongar o assunto negativo, estendendo o estrago por mais tempo. A empresa precisa sim, após resolvido todos os problemas, continuar fortemente com a mensagem atrelada ao benefício que proporciona à saúde, apagando de vez o revés.
    Abs!

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